sábado, 29 de outubro de 2011

Uma estrela nas mãos de Aimé Barroyer




É um dos mais antigos restaurantes de luxo da Península Ibérica (1861). Pelas suas mesas passaram figuras ilustres das mais diversas áreas, da literatura à politica, do cinema às finanças. Em 150 anos de vida o Tavares viveu momentos de glória e de estabilidade, mas também de declínio e de insucesso, de que são exemplos as sucessivas falências que se deram nos anos 40/50. Infelizmente na sua história recente os períodos conturbados voltaram a repetir-se: desde 2004, o restaurante mudou duas vezes de proprietário e cinco vezes de Chefe de Cozinha.  

Mas foi também neste período, sobre o comando do Chef José Avillez, que alcançou o seu maior feito gastronómico ao ser galardoado dois anos consecutivos (2009 e 2010) com estrela michelin. Como é sabido José Avillez  sairia em Janeiro deste ano em rotura com a administração. Problemas financeiros, que se traduziram no incumprimento de prazos de pagamentos a fornecedores, como veio a lume na imprensa, terão estado na origem dessa ruptura.

Quando muitas pessoas temiam um novo definhar era anunciada a contratação de Aimé Barroyer para tomar as rédeas da cozinha e dar um novo fôlego ao projecto. O estilo de cozinha e o seu currículo, que incluiu passagens pelas cozinhas de Joel Robuchon e Paul Bocuse, parecem apontar nesse sentido.

Em Portugal, este Chef francês, casado com uma portuguesa, criou e dirigiu o restaurante Valle Flor, do Hotel Pestana Palace (Lisboa), onde ficou conhecido pela obsessão pelas cozinhas e produtos regionais portuguesas, muitos deles de baixa consideração e até pouco conhecidos fora das suas regiões. Barroyer deu-lhes um estatuto e a sofisticação que poucos imaginaram – é preciso ver que se vivia um período de deslumbramento em que se valorizava muito certos produtos estrangeiros, do (hoje banal) magret de pato, ao foie gras, das vieiras ao pombo d’anjou. A sua cozinha no Valle Flor era de facto fascinante. Contudo, apesar de todo o reconhecimento a sua mente criativa e a insistência em conjugar produtos nobres com outros menos considerados, nem sempre resultava de forma brilhante. Por outro lado a cadência com que novos pratos e menus especiais iam sendo apresentados pecavam, por vezes, por falta de afinação o que fazia com que o resultado nem sempre fosse constante. Essa é a principal razão que várias pessoas apontam para o facto de nunca ter ganho uma estrela michelin.

A primeira carta de Barroyer, no Tavares, data do inicio de Março. Apesar dos poucos meses de trabalho o silêncio paira na imprensa e, à data que escrevo estas linhas, pouco mais se conhece do que a apreciação do conhecido critico espanhol Carlos Maribona, do jornal ABC e do blogue Salsa de Chiles.  Maribona, um adepto incondicional do Tavares de Avillez, considerou a cozinha de Barroyer tecnicamente impecável, mas demasiado barroca, chegando a apontar algumas conjugações “verdadeiramente preocupantes”, como foi o caso de um salmonete com foie gras.

Aimé Barroyer  continua fiel à sua cozinha e à sua aposta nos produtos portugueses. A escolha à carta é reduzida (seis pratos, uma sobremesa e um prato de queijos) privilegiando-se os menus de degustação.  

A carta de vinhos inclui vários vinhos de topo, portugueses e estrangeiros, mas pareceu-me desequilibrada dando a sensação de estarem em escoamento de stocks, sobretudo nos brancos onde o desfalque de referencias era acentuado.
Por último o serviço de sala foi positivo: atendimento cordial, coordenado, com os pratos a chegarem-nos no timing certo.  

Em resumo tivemos um jantar agradável com um serviço correcto e um menu com pratos criativos e ligações interessantes, num apelo a uma memória colectiva. Um menu seguro, equilibrado e leve (ninguém ficou com fome, nem empanturrado). Contudo, no final, ficou a sensação que faltou qualquer coisa, um certo toque de génio que encontrei, no passado, em certas criações de Aimé Barroyer. No entanto pareceu-me uma cozinha que dignifica o lugar e tem nível suficiente para uma estrela michelin - tenham os inspectores do guia vermelho a sensibilidade e a vontade em compreender certos aspectos locais, algo que nunca foi muito evidente no passado.

By Miguel Pires

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