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Ao longo de duas horas, José Bento dos Santos falou quase tanto de gastronomia como de música e desporto - tudo formas de arte, onde aprecia a excelência. Este mês, aquele que será o português que mais restaurantes com estrelas Michelin conhece, foi eleito presidente da Academia Internacional de Gastronomia, uma instituição que reúne academias de 27 países. Missão: preservar a cultura, a criatividade e a saúde.
Qual é a sua primeira memória gustativa?
Eu vivia em Lisboa, no Campo Pequeno, e a minha casa, que era um sexto andar, tinha uma horta, árvores de fruto, galinhas, coelhos. Nasci a ver cozinhar e a participar. Com oito, nove anos, fiz - e passou a fazer-se lá em casa - iscas com molho feito de bofe, engrossado com vinho do porto. Mais tarde, no liceu, ia para a cozinha com os meus colegas fazer panquecas, sandes extraordinárias, ovos. Não eram coisas muito complicadas. Mas a cozinha sempre foi um relaxante. Tive uma profissão muito stressante. E uma pessoa chega à noite, pega nos ingredientes...
Continua a cozinhar?
Todos os dias. Há quatro estádios na cozinha. Uns 98 ou 99 por cento das pessoas, estão no primeiro e no segundo: o plágio (usar uma receita) e a adaptação. Há uma pequena percentagem de grandes talentos capazes do improviso, como no jazz: é preciso dominar o instrumento e conhecer tudo o que há de música. O último estádio é raríssimo, com meia dúzia de talentos: a verdadeira criação, criar uma coisa que não existia.
Em que estádio se encontra?
Considero-me um improvisador de jazz razoável. Nem sempre registo as receitas. Posso destacar o tomate recheado de alheira com espinafres, imitado por vários restaurantes, e o Bacalhau com favas à Quinta do Monte d''Oiro.
E em Portugal, há grandes talentos?
Temos um grupo significativo de jovens e meio-jovens cozinheiros de grande gabarito, que têm o problema de viver num país onde a audiência não é extraordinária. Daqui a meia hora é hora de almoço e há cinco mil lugares vazios. Vamos a um restaurante em que o chefe foi comprar às quatro da manhã comprar os produtos à praça, preparou-os com todo o carinho e depois tem duas pessoas ao jantar. É terrível.
A cozinha portuguesa está ao nível das cozinhas de topo?
Neste momento, o que é importante é preparar as bases, perceber o que queremos, e deixar de uma vez por todas de dizer que temos a melhor gastronomia do mundo. Basta olhar à volta. É como a alegoria da caverna de Platão. Era lindíssimo que fosse assim. Não é normal que aconteça. Passaram por cá os celtas, árabes e romanos, que deixaram algum património. Depois tivemos os descobrimentos, que nos trouxeram não só as especiarias como outros produtos. Mas nós fomos mais comerciantes do que industriais, no sentido de usar esses produtos para nos promover. A grande gastronomia francesa é relativamente recente, mas foi feito um esforço nesse sentido. Temos maravilhosas cozinhas regionais. Mas a Espanha também tem, a Grécia e a antiga Jugoslávia também. Podemos dizer "a que gosto mais é a nossa". Mas em competições internacionais, não é suficiente. Temos de ir mais longe.
By Joana Stichini Vilela